crushes animados
Muitas semanas já se passaram desde quando eu pedi para vocês me contarem se já tiveram algum crush e paixonite por personagens não humanos e/ou de desenhos animados, quadrinhos, e por aí vai. Muitos responderam e eu me diverti horrores com as histórias por trás das crushes e as justificativas pelos sentimentos (não que sentimentos requerem justificativas). Me divertia também procurando as imagens e escrevendo sobre cada crush, sobre como aquilo também me afetava e também lembrando das minhas crushes animadas. Apesar de não curtir muito desenho animado hoje em dia, já tive a minha cota de paixões por personagens animados.
Eu era uma criança que gostava de rever. Hoje eu sou uma jovem adulta que ainda gosta de rever. É confortante já saber o que vai acontecer e assistir a algo que você já sabe que irá gostar. Eu gosto de ver coisas novas, não me levem a mal, mas tem algo especial em rever, em tirar coisas novas e sentimentos ainda não sentidos por filmes, séries, desenhos e livros que já são conhecidos quase de cor. Eu me orgulhava de saber todas as falas de O Rei Leão e ver o filme falando junto com os personagens deitada na almofada que nem um filhote de leão em frente à tevê . Eu nem ouso estimar o número de vezes que vi 101 Dálmatas e aquele começo genial sobre como cada cachorro é igual ao seu dono --até hoje eu considero isso a Verdade Absoluta--, nem quantas vezes eu botei no VHS a fita de Hércules.
Minha princesa favorita variava entre a Bela, de A Bela e a Fera e a Aurora, de A Bela Adormecida. Meu príncipe favorito era o Dimitri, de Anastácia (como boa estudante de língua, cultura e literatura russa, devo dizer aqui que ideologicamente e historicamente esse filme é péssimo, mas como história de amor ele é perfeito), que pelo amor de deus, que homem! A Anna Vitória me mandou a seguinte descrição que eu concordo 100%: "Ele é genuinamente engraçado, idealista, indignado no palanque, e muito, muito sexy. Até a voz do dublador é sexy. E beija direito, não aqueles beijos assépticos da Disney". Outros príncipes que eram meus favoritos: Hércules antes de ser herói e ficar bombado, Aladdin, mesmo ele não tendo umbigo e Li Shang, de Mulan (quem não se identifica 100% com a avó da Mulan que convida o Shang para ficar para sempre?).

Outro que me despertava sentimentos que ainda não entendia muito bem era o Robin Hood, e a confusão era intensificada pelo fato dele ser uma raposa. Mas sério, é possível o Robin Hood ser qualquer coisa que não uma raposa?

Eu não li muitos mangás na minha vida, mas li um que foi muito importante para a minha educação sentimental: Crying Freeman, que é sobre um assassino profissional que possui uma tatuagem de dragão que ocupa a maior parte do seu corpo, fica nu com frequência e chora toda as vezes que mata alguém. Crying Freeman me fez sentir coisas confusas por um personagem desenhado, foi bem maluco e bem intenso e durou os 10 volumes do mangá.

Quando meu irmão mais novo nasceu eu já tinha sete anos e vi muita tevê com ele. Conforme ele foi crescendo, eu ia ficando mais velha e mesmo quando estava naquela idade que já não é tão bem aceito assim ver desenho animado, eu e minha irmã ainda víamos porque a gente tinha a desculpa de ver com nosso irmão pequeno. Eu lembro muito bem certa vez que minha irmã estava na sala sozinha --sem meu irmão para acobertar-- e ela estava assistindo um desenho que eu não lembro qual era, mas todos os personagens eram animais e tinha esse touro, todo másculo e grande e a minha irmã tinha a maior crush nele. Minha mãe entrou na sala e perguntou para ela por que ela estava vendo aquele desenho, já que o Lucas não estava lá, e ela confessou que, na verdade, ela estava ali vendo aquele touro e sentindo ~coisas~. É engraçado isso, porque se minha irmã estivesse vendo qualquer outro programa, uma série, um filme (ela mesma viu aquele filme chato Independência ou Morte mais de mil vezes porque se apaixonou pelo Tarcísio Meira fazendo o papel de D. Pedro I), ninguém ia questionar o porquê dela estar ali vendo tevê. Mas ela estava vendo um desenho animado e já era uma menina adolescente, estava na idade em que paramos de ver desenho para assistirmos coisas mais "sérias", e então ela teve que confessar que estava meio apaixonadinha por um personagem animado e não-humano.
Foi exatamente por isso, pela nossa necessidade de confessar o sentimento, que tive a ideia de todos nós compartilharmos nossas crushes em personagens animados e/ou não-humanos. No começo, eu não fazia ideia do que fazer com todos os personagens que recebi, mas pensei que, ao colocar pelo menos um em cada edição, esse espaço se tornaria mais um espaço seguro para conversar e menos um espaço de confessar os sentimentos.
Eu não confesso nada por aqui, eu conto histórias. Muitas dessas histórias aconteceram comigo, mas aqui, antes de tudo, elas são histórias. Todas as minhas edições são públicas porque até agora não senti a necessidade de deixar elas privadas. Eu não quero confessar nada, eu só quero contar anedotas e crônicas de uma vida marcada por paixões e crushes muitas vezes ridículas e quase sempre sem o menor futuro.
Não é nada anormal gostar de um personagem que não é humano ou é um desenho animado, até porque mesmo aqueles desenhos que são animais, todos eles são humanoides; eles falam, andam sob duas pernas (ou patas), usam roupas, moram em casas, vão à escola, e por aí vai.

Apesar de ter listado lá em cima alguns crushes animados que tive, nenhum deles foi tão intenso quanto as minhas paixões em pessoas reais e/ou personagens interpretados por pessoas. Para mim, mesmo quando criança, era muito claro que o desenho representava alguém e era esse alguém por quem eu estava apaixonada e não pelo desenho. Era tão firme essa minha convicção que quando via Space Jam ou Uma Cilada Para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit), em que atores contracenam com desenhos, achava extremamente estranho e confuso quando personagens masculinos humanos se sentiam atraídos por personagens femininas de desenhos, como acontece com a Jessica Rabbit em algum desses filmes.
As crushes animadas de vocês também me ajudaram a entender o que sempre foi difícil para mim e talvez perceber que eu estava errada. Nem sempre os desenhos são representações de pessoas, às vezes eles são apenas o que são: desenhos. O que vale mesmo não é se o desenho é feito de tal maneira para ser atraente, mas sim se a história é bem contada e se o personagem é bem construído. É claro que a imagem ajuda, mas acho que o mais importante em crushes que não são em pessoas reais, seja os personagens de desenhos animados ou não, é se a história é bem contada. No final, tudo o que a gente sente vem da escrita.
Eu posso estar novamente errada, mas pensando em todas as vezes que me apaixonei por personagens fictícios, a aparência importava, é claro (o que seria de Jack se não fosse interpretado por Leonardo DiCaprio), mas o que mais ficou em mim e o que mais eu lembro de me sentir atraída por eram as ações desses personagens, o que eles faziam e o que eles diziam. Eu posso ver filmes ruins e achar atores bonitos e apenas apreciar a beleza deles, sem criar laços afetivos nem nada, assim como posso achar tal ator feio e me apaixonar por um personagem que ele interpretou. No final, tudo o que eu sinto vem da escrita.
Então eu quero encerrar esse ciclo de crushes animadas lembrando a todo mundo --e a mim também-- que o lugar de sentimentos não é o confessionário. O que sentimos é válido e é real, mesmo se o objeto da afeição for ficcional.
Obrigada a todas e todos que me mandaram suas crushes não-convencionais e participaram, de alguma forma, dessa reflexão. Foi ótimo e fiquei muito feliz com cada resposta. Se vocês tiverem alguma ideia ou tema para as próximas edições, por favor, me mandem!
Até logo,
Júlia
